Arthur Anderson Quadra Alves da Silva
Flávio Júnior Miranda de Jesus
Frederico Brade Teixeira
Maria Luiza Sant’Ana Guidugli
No terceiro e último dia da Mostra Ecofalante na PUC, foi exibido o documentário Lavra (2021), dirigido por Lucas Bambozzi e que aborda os rompimentos das barragens de rejeitos de mineração em Bento Gonçalves (distrito de Mariana) e Brumadinho no estado de Minas Gerais nos anos de 2015 e 2019, respectivamente, bem como seus impactos no meio ambiente e nas comunidades locais.
Bambozzi trata o assunto, que é tão delicado, a partir da interação de Camila (atriz que interpreta uma geógrafa emigrante da região) com os moradores atingidos e sua visão diante do cenário de destruição. Devido a essa caracterização de Camila, do tom poético de suas falas e de alguns momentos que aparentam ser encenados, o filme de Bambozzi pode ser classificado como um docfic, linguagem também utilizada por Vladimir em Rolê, mesclando fatos reais com ficção em suas narrativas.
A jornada de Camila é uma busca por entender a si mesma dentro daquele contexto catastrófico - uma moradora de Governador Valadares que retorna dos Estados Unidos, onde morava - e entender as comunidades diretamente impactadas pelas perdas humanas e ambientais. Apesar de Camila ser a protagonista, não vemos seu rosto durante boa parte do documentário. A câmera over the shoulder, quase subjetiva, nos faz ver o mesmo que Camila, nos faz ver o que importa: as pessoas e o ambiente afetados pelos crimes da Vale.
Enquanto o documentário estava sendo gravado, apenas o rompimento de Mariana havia acontecido; em um momento do filme, Camila acompanha pela televisão, junto a uma família que conheceu e estava entrevistando, a notícia de que outra barragem, agora em Brumadinho, havia se rompido. A partir daí, temos os dois “acidentes” interligados na narrativa pela pesquisa de Camila, pelas pessoas de Bento Gonçalves que perderam conhecidos em Brumadinho e pela ganância da mineração.
Na palestra após a exibição do filme, o diretor Lucas Bambozzi nos trouxe mais explicitamente sua visão sobre a mineração, sobre suas escolhas e sobre os entrevistados no documentário. Um dos pontos interessantes levantados pelo diretor foi como ele e a atriz Camila negociavam o registro caso algo saísse fora do planejado durante as gravações. Como
é um documentário-ficção, há um certo nível de encenação. Na dinâmica diretor/atriz, foi citado um importante aspecto para que a verdade da experiência dos entrevistados fosse de fato traduzida no material audiovisual, chamado "fé cênica". Bambozzi contou como ele mantinha distância durante as entrevistas com os atingidos e como Camila assumia a frente do set caso os entrevistados trouxessem algo inesperado, além de como ambos acreditavam no poder da fé cênica.
O diretor também nos trouxe um pouco dos porquês por trás da escolha das cidades visitadas no filme. Todas são integrantes do Quadrilátero Ferrífero que também inclui Caeté, Itabira, Itaúna, João Monlevade, Mariana, Ouro Preto, Rio Piracicaba, Sabará, Santa Bárbara, entre outros. Bambozzi afirmou ter “seguido as rotas do minério” para as locações do documentário, levando em consideração tanto os minerodutos da região como também as hidrovias.
Ele ainda comentou sobre como o áudio do filme foi desenhado com a intenção de incomodar o telespectador, passando minimamente a experiência sonora daqueles que vivem próximos à mineração. Em contrapartida da presença sonora das máquinas, foi totalmente intencional a ausência dessas grandes máquinas na parte visual do filme; Bambozzi não queria dar a menor chance para que o deslumbre desses grandes feitos da engenharia chegasse ao produto final. Ele afirma isso inclusive em meio às ressalvas de que, apesar do imenso impacto socioambiental da mineração, várias dessas cidades têm sua economia baseada no retorno financeiro que a mineração traz.
A itinerância da Mostra Ecofalante na PUC Minas se revelou uma experiência muito enriquecedora para o público presente. E isso foi ainda mais notável entre os estudantes de Cinema, já que, além de debater a temática socioambiental, ainda foi possível conversar com os criadores após as exibições. As sessões comentadas abrem caminhos para se entender mais profundamente sobre o fazer e pensar o documentário. Quando realizadores esmiúçam o que está por trás de sua obra, pode-se vislumbrar melhor as teorias, além de entender as dinâmicas dos sets de filmagem, como histórias de coisas que deram errado ou imprevistos. Isso nos ajuda a compreender que fazer um filme sobre algo relevante é um grande passo para extrair o melhor de nós.
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