por Francisco Ribeiro
Gabriel Guimarães
Uma Anatomia de Mari Okada
"A arte imita a vida". É um velho clichê repetir essa frase para dispor de alguma observação coloquial sobre uma obra artística qualquer que vemos por aí. Pode parecer que essa frase, atribuída a Aristóteles, está perdida de valor por ser jogada ao léu tantas vezes, séculos a fio. Mas é a sua simplicidade e clareza que manteve sua longevidade. São as observações, os ideais, os relacionamentos e as vivências de cada artista que transformam suas obras únicas, distinguíveis e, inegavelmente, imitações da vida. São com as peças artísticas que inúmeros criadores transformaram a realidade em algo belo e apreciável através dos reflexos de sua subjetividade. A diretora, roteirista e animadora japonesa, Mari Okada, possui um conjunto de obras que nos ilumina uma realidade particular digna da apreciação do público.
Entre os dias 25 de outubro e 8 de novembro deste ano, o CEIS, por iniciativa e moderação da monitora Flora Liz, exibiu três obras de Okada em mais uma edição do "Anatomia da Diretora". Os filmes e episódios exibidos foram capazes de ilustrar um reflexo imaginativo, fantástico e cômico de etapas, acontecimentos e características da vida da diretora. Os três animes foram capazes de, ao final das três sessões realizadas, evidenciar não somente os aspectos pessoais da psique e história de Okada, como sua vontade em transmitir aos espectadores as lições, contradições e momentos fundamentais da vida.
O filme exibido no dia 25 de outubro, "Maquia: quando a flor prometida floresce" (2018) traz a estreia de Mari Okada à função diretorial pela primeira vez em um longa-metragem. O filme se desdobra ao redor da personagem titular, Maquia, que é dotada de juventude eterna e, após sobreviver a um ataque de uma potência colonial sofrido por sua comunidade, decide criar como seu um bebê órfão que encontra em sua fuga. A maternidade, efemeridade da vida e os relacionamentos construídos em nossa trajetória são os temas examinados através da construção de um mundo fantasioso, mas que mantém as intempéries vividas na realidade.
No dia 1 de novembro, a mostra permaneceu no imaginário fantasioso de Okada, mas dessa vez em um mundo muito mais parecido com o real. Em "Olhos de Gato" (2020), uma garota deve lidar com uma paixonite não correspondida, o abandono de sua mãe e o bullying constante de seus colegas de escola. De repente, ela recebe uma máscara de um gato falante, que a permite se transformar em um gato. Com esse novo poder, ela se transforma em um pequeno gato branco e passa a observar a vida das pessoas ao seu redor e compreender aspectos da realidade que vão para além de si. É uma história de amadurecimento, empatia e resignação. Mari Okada desenvolve aqui uma história de uma pessoalidade muito maior, podendo ser trazidos diversos paralelos com sua trajetória pessoal.
No terceiro e último dia, 8 de outubro, o piloto de uma série desenvolvida por Okada foi apresentado. "Araburu" acompanha um grupo de garotas no ensino médio que, por meio de experiências individuais e discussões coletivas, descobrem nuances e aspectos essenciais sobre o florescer sexual e de desejo. Os temas de conservadorismo, liberdade e prazer são abordados com um humor escrachado e estimulante, expondo as facetas múltiplas e, por vezes, ocultas da sexualidade feminina.
As conclusões que a análise e os debates provocados por cada obra são, em última instância, absolutamente subjetivas. A multiplicidade de significados e o conteúdo dos filmes de Mari Okada revelam, não somente sua ânsia em transmitir suas ideias de mundo ao espectador, mas sua própria realidade e história. Sua obra mostra que a arte pode muito bem imitar a vida, e mostrar ao mundo as possibilidades da imaginação para além da realidade.
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