1.0 Introdução ou Afinando os bisturis
Por várias vezes, Gus Van Sant apontou sua câmera para os céus. Por entre sua filmografia, a abobada celeste - sólida, intocável - surge com frequência; não dialóga, não aponta de volta - parece indiferente. Será que Van Sant, ao enquadrar o firmamento, o faz em tom de busca ou de protesto? Por qual propósito sua câmera parece se deslocar tão frequentemente e vagar distante por entre a mise-en-scène (por vezes até fora dela), arredia das personagens e da trama aparente, com um claro senso de desamparo - perdida, como um alguém extraviado de toda esperança que, esgotado, parambula - ou se senta na primeira sarjeta e mira aos céus. Não mais dialoga ou protesta, somente olha e tenta enxergar algo que ainda não foi visto.
https://youtu.be/Hzfup-OOPWQ?t=3071 - Cena de “Elefante”
Por várias vezes, Gus Van Sant apontou sua câmera para os céus. Por entre sua filmografia, a abobada celeste - sólida, intocável - surge com frequência; não dialóga, não aponta de volta - parece indiferente. Será que Van Sant, ao enquadrar o firmamento, o faz em tom de busca ou de protesto? Por qual propósito sua câmera parece se deslocar tão frequentemente e vagar distante por entre a mise-en-scène (por vezes até fora dela), arredia das personagens e da trama aparente, com um claro senso de desamparo - perdida, como um alguém extraviado de toda esperança que, esgotado, parambula - ou se senta na primeira sarjeta e mira aos céus. Não mais dialoga ou protesta, somente olha e tenta enxergar algo que ainda não foi visto.
https://youtu.be/Hzfup-OOPWQ?t=3071 - Cena de “Elefante”
Essas sequências, tão presentes em filmes como “Gerry” (2002) e “Últimos Dias”(2005), parecem compartilhar de um claro sentimento de desencanto com aquilo que representam - ou talvez, com a própria dinâmica da representação - um sentimento de busca, propriamente. Van Sant parece tatear ao redor, buscando uma outra forma de se locomover no espaço fílmico e, à medida que caminha ou que segura o passo por um instante, leva consigo o público, convidado a uma outra forma de experimentar o mundo das imagens.
Há também uma outra classe de imagens que, estranhamente, parecem compartilhar desta mesma “sensação de vazio e desamparo”, desta mesma “dinâmica de representação” que os céus de Gus Van Sant - imagens do horror, do abominável.
Há também uma outra classe de imagens que, estranhamente, parecem compartilhar desta mesma “sensação de vazio e desamparo”, desta mesma “dinâmica de representação” que os céus de Gus Van Sant - imagens do horror, do abominável.
https://goo.gl/ibC0DJ - Imagens do Holocausto (1945)
Parece que pela gravidade do tema a ser representado, essas imagens aguçam o senso ético daqueles que apontam a câmera e os confronta, como se não lhes permitissem a estetização. A própria dinâmica de representação é colocada em cheque; os realizadores, por diversas vezes, em cenas de massacres e desastres, parecem entrar em certo choque estilístico e escolhem apenas “varrer” a cena, lentamente, ou deixa-la quase estática, segurando com a mão trêmula, parecendo buscar algo que não está ali. É uma dificuldade de se olhar com os olhos da câmera.
1.1 - Ética, estética e linguagem
O célebre crítico frânces da revista Cahier du Cinemá, Jacques Rivette, já havia atentado para a condição política e ética de toda escolha linguística cinematográfica. “O uso ou não do travelling é uma questão moral”, dizia em uma artigo sobre o filme “Kapo” (1960), de Gille Pontecorvo. De fato, é prudente supor que um filme sobre o holocausto seria repleto de escolhas linguísticas consideravelmente diferentes se realizado por um inglês ou por um nazista. Mas até onde ética e estética se misturam? Ou até onde uma escolha linguística é determinada pelo senso ético daquele que a realiza?
https://www.youtube.com/watch?v=fst61uRpCEU - Cena do filme “Kapo”, qual Rivette se refere em sua análise.
Apontar uma câmera é determinar um recorte em detrimento de quaisquer outros; é uma escolha, consciente ou não, mas condicente com a relação de quem está diante e por detrás da câmera e da imagem. É uma deturpação do todo, um ponto-de-vista. E, segundo Rivette, esta relação entre observador e observado, entre espectador e imagem, seria o cerne da linguagem, o determinante do recorte. Daí a natureza tão subjetiva do Cinema (?).
Por esta razão, filmes que buscam representar temas extremamente sensíveis como o holocausto, costumam ser extremamente problemáticos em suas escolhas linguísticas - por estimular o senso de fascínio de quem as realiza. Em filmes como “A Vida é Bela” ou “A Lista de Schindler”, o horror é transformado em espetáculo, em entretenimento, em formas particularmente banalizadas. O senso de fascínio do público está arraigado; o fascínio pelo medo, pela violência, pela abominação.
Por esta e outras razões, a filósofa política Hanna Arendt, define que toda forma de representação seria também uma forma de banalização - sendo mais reveladora das impressões de quem olha do que de uma real totalidade do objeto - e por isso, em suas palavras, o Horror seria irreprensentável.
Gus Van Sant, quando ainda um jovem assistente de direção do início da década de 80, nascido na terra do Tio Sam que, por excelência, prospéra no senso de fascínio, espetacularização e banalização de sua gente, certamente se deparou com esta complicada relação e sentiu-se impotente - afinal, há mais entre o céu e a terra do que uma única objetiva pode enquadrar.
https://www.youtube.com/watch?v=fst61uRpCEU - Cena do filme “Kapo”, qual Rivette se refere em sua análise.
Apontar uma câmera é determinar um recorte em detrimento de quaisquer outros; é uma escolha, consciente ou não, mas condicente com a relação de quem está diante e por detrás da câmera e da imagem. É uma deturpação do todo, um ponto-de-vista. E, segundo Rivette, esta relação entre observador e observado, entre espectador e imagem, seria o cerne da linguagem, o determinante do recorte. Daí a natureza tão subjetiva do Cinema (?).
Por esta razão, filmes que buscam representar temas extremamente sensíveis como o holocausto, costumam ser extremamente problemáticos em suas escolhas linguísticas - por estimular o senso de fascínio de quem as realiza. Em filmes como “A Vida é Bela” ou “A Lista de Schindler”, o horror é transformado em espetáculo, em entretenimento, em formas particularmente banalizadas. O senso de fascínio do público está arraigado; o fascínio pelo medo, pela violência, pela abominação.
Por esta e outras razões, a filósofa política Hanna Arendt, define que toda forma de representação seria também uma forma de banalização - sendo mais reveladora das impressões de quem olha do que de uma real totalidade do objeto - e por isso, em suas palavras, o Horror seria irreprensentável.
Gus Van Sant, quando ainda um jovem assistente de direção do início da década de 80, nascido na terra do Tio Sam que, por excelência, prospéra no senso de fascínio, espetacularização e banalização de sua gente, certamente se deparou com esta complicada relação e sentiu-se impotente - afinal, há mais entre o céu e a terra do que uma única objetiva pode enquadrar.
Diferente de diretores pregressos que acreditavam na autoridade de um cinema une-ocular, Van Sant sabe que há mais pessoas numa sala de estréia do que ele próprio. Em obras primas como “Elefante”, Van Sant tenta burlar o senso de fascínio do cinema tradicional norte americano, lutando contra ás saídas fáceis e confortáveis de uma narrativa linear, as respostas vazias das personagens empáticas, a dormência crítica característica do voyerismo cinematográfico.
Em alguns belos momentos por entre sua filmografia (objetos desse estudo), Van Sant tenta destituir o olhar do espectador do olhar de cinema - e documentar a problemática e a angústia de uma geração que vive no instante e sente sua existência como deslocada, breve e passageira.
Em alguns belos momentos por entre sua filmografia (objetos desse estudo), Van Sant tenta destituir o olhar do espectador do olhar de cinema - e documentar a problemática e a angústia de uma geração que vive no instante e sente sua existência como deslocada, breve e passageira.
2.0 - Portavoz neo-pop-beat do submundo americano
Deliberadamente revisitado em sua filmografia, o submundo americano se revela para Gus Van Sant por entre as secções ''perdidas'' da Hollywood Boulevard. O diretor, desde então tem grande fascínio por explorar elementos situados à margem da sociedade; a América dos drogados, dos homossexuais, dos renegados, da subcultura que é exilada e se exila do mundo em volta. Elementos belamente explorados em "Drugstore Cowboy" (1989), filme que apresenta quatro junkie-heads que roubam farmácias para sustentar o vício, e "Garotos de Programa" (1991), um exame inusitado do conceito de família e afeto de dois amigos que vivem nas ruas de Portland.
A vontade de "evidenciar a verdadeira América", explorando o submundo e o marginal, é fruto da visível influência de autores da literatura beatnik, como Jack Kerouac, William S.Buroughs e Allen Ginsberg (estes dois últimos fizeram parte do circulo de amizades do diretor).
W.S.Burroughs, do movimento beat, que chegou a trabalhar com Gus Van Sant no curta "Thanksgiving Prayer".
Definida como "a geração perdida" pelo filosofo Jean-Paul Satre, os Beatniks fizeram uso da literatura para expressar sua visão anti-materialista de mundo e caracterizar uma contracultura erguida pela juventude anti-conformista dos valores tradicionais da época.
A vontade de dar voz aos renegados sociais, presente em seus primeiros filmes, certamente surgiu de uma ideologia beatnik. Mas somente quando - mais à frente, em seus “exercícios poéticos” (“Elefante”, “Últimos Dias” e “Paranoid Park”), como define o diretor - o cinema de Gus Van Sant passa a assumir um caráter mais experimental, é que o lirismo desregrado e a liberdade formal, preconizados pelo movimento beat, se tornam evidentes.
A vontade de dar voz aos renegados sociais, presente em seus primeiros filmes, certamente surgiu de uma ideologia beatnik. Mas somente quando - mais à frente, em seus “exercícios poéticos” (“Elefante”, “Últimos Dias” e “Paranoid Park”), como define o diretor - o cinema de Gus Van Sant passa a assumir um caráter mais experimental, é que o lirismo desregrado e a liberdade formal, preconizados pelo movimento beat, se tornam evidentes.
3.0 - Temáticas: A juventude e a trilogia da morte
No decorrer dos anos, a tematização dos filmes de Gus Van Sant sofreu uma mudança, adquirindo tons mais subjetivos e universais; perdendo o foco específico que se tinha na subcultura americana e permeando um sentimento de geral de abandono.
A necessidade de se revelar a opressão social sofrida por uma parcela da sociedade permanece, mas ganha nova roupagem - se fortalecendo na pessoalidade quando o diretor passa a representar a juventude contemporânea. Van Sant esboça um mundo impessoal ao extremo; jovens angustiados por se sentir à margem da sociedade, sem lugar; abandonados socialmente, sofrendo isolados e sem voz de ação.
A necessidade de se revelar a opressão social sofrida por uma parcela da sociedade permanece, mas ganha nova roupagem - se fortalecendo na pessoalidade quando o diretor passa a representar a juventude contemporânea. Van Sant esboça um mundo impessoal ao extremo; jovens angustiados por se sentir à margem da sociedade, sem lugar; abandonados socialmente, sofrendo isolados e sem voz de ação.
A apatia, a impotência e o desamparo da juventude contemporânea se mostra como o tema central do qual Van Sant discorre acerca de outras duas temáticas subsequentes: a da morte e a da sexualidade confusa e reprimida. Neste filmes, a morte se apresenta sempre como o contraponto inevitável da juventude - as duas coexistem e se confundem.
Em "Elefante" (2003), obra inspirada no massacre da escola de Columbine, Gus Van Sant situa o ambiente de abandono social e familiar como transgressor e gerador de jovens reprimidos e deslocados social e sexualmente. Expondo os alunos com frieza particular, o filme revela uma morbidez já presente nos longos corredores escolares, caminhados a passos lentos, e a morte, pelos assassinatos, é apenas a consolidação física de uma morte interna, subjetiva e coletiva dos alunos.
A morte em "Ultimos Dias" (2005) se anuncia na enorme deterioração psicológica da personagem ao decorrer do filme. Indagando o que poderiam ter sido os últimos dias de Kurt Cobain, a morte continua como reflexo de um meio opressor. Desta vez, reflexo de uma sociedade midiática que cuida por transformar em espetáculo a sanidade em declínio de certos artistas - que findam pelo exílio físico, emocional e mental fronte uma realidade severa demais para inseri-los.
https://youtu.be/CsrMWkChTP8?t=1749 - Cena de “Últimos Dias”, qual fica bastante clara a relação entre uma sociedade do espetáculo e a decadência mental do protagonista.
https://youtu.be/CsrMWkChTP8?t=1749 - Cena de “Últimos Dias”, qual fica bastante clara a relação entre uma sociedade do espetáculo e a decadência mental do protagonista.
Por fim, temos "Paranoid Park” (2007) que reuni todos os elementos explorados anteriormente, parecendo buscar um certo refinamento linguístico. O submundo do skatebord surge como o abrigo onírico de um jovem, novamente, em completa amorfia; silenciado e traumatizado pela face da morte.
4.0 - Linguagem Visual e Narrativa
Todo aparato fotográfico e narrativo de “Elefante” pretende uma proximidade da linguagem naturalista em prol de colocar o espectador com uma fruição documental da imagem. A intenção é a de despertar o espectador de uma vivência supostamente alienada do cinema tradicional. Novamente, destituir o espectador do “olhar de cinema”; lembrá-lo de olhar com seus próprios olhos para o horror do massacre de Columbine, não esperar respostas prontas e fáceis. Como?
- Formato de tela 1:33, quase quadrado, uma fuga ideal ao formato panorâmico (widescreen) do Cinemascope, qual instantaneamente relacionamos à experiência cinematográfica e, portanto, a experiencia onírica, de dormência, de sonhar acordado, convencionada ao Cinema.
- Planos-sequência em movimento lentos de duração longa. A construção narrativa anda em ciclos, não aponta para um único clímax; seguimos diferentes personagens, passando pelas mesmas situações de novo, e de novo, e de novo. Experimentamos um adensamento progressivo da sensação de temporalidade e parecemos vivenciar o Tempo mais próximos das personagens. A câmera, que segue os alunos por entre corredores espaçados, escuros e frios, quase que também apáticos, adentra o espectador à cena, que observa afastado ainda que ativo no filme.
- Formato de tela 1:33, quase quadrado, uma fuga ideal ao formato panorâmico (widescreen) do Cinemascope, qual instantaneamente relacionamos à experiência cinematográfica e, portanto, a experiencia onírica, de dormência, de sonhar acordado, convencionada ao Cinema.
- Planos-sequência em movimento lentos de duração longa. A construção narrativa anda em ciclos, não aponta para um único clímax; seguimos diferentes personagens, passando pelas mesmas situações de novo, e de novo, e de novo. Experimentamos um adensamento progressivo da sensação de temporalidade e parecemos vivenciar o Tempo mais próximos das personagens. A câmera, que segue os alunos por entre corredores espaçados, escuros e frios, quase que também apáticos, adentra o espectador à cena, que observa afastado ainda que ativo no filme.
- Preferência por objetivas que se aproximam do olhar humano e câmera posta à altura do rosto, novamente, instigando um olhar naturalista. Lentes que evidenciam as diferenças de luminosidade do ambiente, explorando uma iluminação natural, com pontos de luz suaves contrapostos por grandes regiões de sombra. Essa técnica confere uma maior verossimilhança a cena - assim como um maior impacto no espectador no momento que os assassinatos rasgam a narrativa e o caráter documental, construído por todo filme, faz jus a brutalidade dos acontecimentos.
Em "Ultimos Dias", a direção de fotografia opta por utilizar, além de planos sequência similares aos de “Elefante”, planos estáticos longos, imóveis ou com pouco movimento - enquanto a ação em cena sofre deslocamento, por vezes até saindo de quadro. As escolhas fotográficas e narrativas tem a função de dotar o filme de um sentimento extra de inércia e mortificação, harmonizando-se com a temática da deterioração psicológica. O sentimento do espectador é o de estar se aproximando, gradativamente, da deturpação psíquica do protagonista.
https://goo.gl/5di638 - Cena icônica de “Últimos Dias”, que denota a realidade que se afasta e abandona o protagonista à merce da sua própria desvirtude.
http://www.youtube.com/watch?v=ol9j_7Rywno - Making of da cena acima
https://goo.gl/5di638 - Cena icônica de “Últimos Dias”, que denota a realidade que se afasta e abandona o protagonista à merce da sua própria desvirtude.
http://www.youtube.com/watch?v=ol9j_7Rywno - Making of da cena acima
Algumas das escolhas narrativas e visuais do filme oferecem leituras mais profundas e sutis. Por exemplo, sua relação com o período da arte barroca. Em uma das cenas finais de “Últimos Dias”, vemos a imagem espectral do protagonista se levantar do seu corpo físico estirado ao chão e subir uma escada invisível em direção aos céus.
A figura, revelada por um único feixe de luz e imersa em contraste de sombras, lembra as escolhas estéticas de pintores barrocos como Caravaggio. Ainda, a utilização de contrapontos barrocos na trilha do filme e mesmo as ações que ocorrem fora de quadro, agravam ainda mais esta relação. Temos a sensação de uma realidade deslocada, angustiante, claustrofóbica e imersa em sombras - iluminada por estreitos caminhos de fuga, dos quais se jorra uma única luz, um único caminho para salvação: no caso de “Últimos Dias”, o suicídio.
A figura, revelada por um único feixe de luz e imersa em contraste de sombras, lembra as escolhas estéticas de pintores barrocos como Caravaggio. Ainda, a utilização de contrapontos barrocos na trilha do filme e mesmo as ações que ocorrem fora de quadro, agravam ainda mais esta relação. Temos a sensação de uma realidade deslocada, angustiante, claustrofóbica e imersa em sombras - iluminada por estreitos caminhos de fuga, dos quais se jorra uma única luz, um único caminho para salvação: no caso de “Últimos Dias”, o suicídio.
Gus Van Sant muda um pouco sua abordagem visual em "Paranoid Park". Nessa obra, tem-se grande presença de películas Super-8 na intenção de remeter aos filmes domésticos e comunicar uma sensação mais biográfica ao público. Esse recurso, de utilizar a granulação da Super-8 combinada com uma captação maior de quadros por segundos, gera um efeito de câmera lenta e uma maior variação na textura da imagem - e faz referência a vanguarda do cinema nova-iorquino. Vale especificar que, a utilização de filme doméstico, combinada com enquadramentos de close-ups de pouca profundidade de campo (fundo frequentemente desfocado), transmite ao público a sensação de monólogo interior e isolamento traumático sofrido pelo protagonista.
http://www.youtube.com/watch?v=Co_PvY4TNf0 - famosa cena do chuveiro em "Paranoid Park", simboliza bem a sensação de pressão sufocante. Tambem um ótimo exemplo da sonorização peculiar do filme.
A narrativa fragmentada e em flash-backs de "Paranoid Park" segue as lembranças do protagonista enquanto este as escreve em um caderno e revela, em sua cadeia de pensamentos, memórias íntimas esparsas que aos poucos se unem na grande figura do filme. "Paranoid Park", que parece estar sempre em suspensão, segue o ritmo gradativo de um jovem que aos poucos aceita um trauma passado; relembrando os acontecimentos e buscando, inconscientemente, superação.
A narrativa fragmentada e em flash-backs de "Paranoid Park" segue as lembranças do protagonista enquanto este as escreve em um caderno e revela, em sua cadeia de pensamentos, memórias íntimas esparsas que aos poucos se unem na grande figura do filme. "Paranoid Park", que parece estar sempre em suspensão, segue o ritmo gradativo de um jovem que aos poucos aceita um trauma passado; relembrando os acontecimentos e buscando, inconscientemente, superação.
Assim como define Gabriel Ritter Muniz em sua crítica sobre o filme, a montagem de "Paranoid Park" é "a tradução perfeita da juventude"; fragmentados no instante, tentando aceitar o caminho que a de ser percorrido fronte a morte que salta aos olhos.
5.0 - Sonoplastia
As escolhas sonoras de Van Sant, comumente se baseiam em figurar os momentos de confusão e ansiedade individual de seus personagens ou as tensões coletivas. Várias camadas de sons se alternam e se sobrepõem, combinadas com sons fora-de-cena, muitas vezes completamente “absurdos” (sinos, gaivotas, ruídos, microfonia).
O intuito é o de caracterizar a atmosfera caótica de sequências específicas ou o de possibilitar uma leitura aumentada, expandida, da imagem. Assim, da mesma forma que Sergei Eisenstein trabalhava uma montagem ideogrâmica - combinando duas imagens aparentemente opostas para gerar um terceiro significado - Van Sant imprime a mesma premissa a sonoplastia, inferindo uma ambiência sonora extra mise-en-scène, que extrapola e complementa algum significado em cena.
https://www.youtube.com/watch?v=XMMdIIBEkFg - Repare nos sinos na sequencia de abertura de “Últimos Dias”.
O maior emprego desta sonoplastia iconogrâmica ocorre em “Últimos Dias”; são vários os momentos quais a sonoplastia toma um lugar equivalente a imagem, em prol de extrapolar os significados. Por todo o filme escutamos centenas de barulhos de portas abrindo e fechando-se - uma exímia referência a citação de William Blake: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. Seguimos o protagonista - que não por acaso se chama Blake - a medida que escancara todas as portas da sua percepção e adentra, cada vez mais, em níveis mais profundos.
O intuito é o de caracterizar a atmosfera caótica de sequências específicas ou o de possibilitar uma leitura aumentada, expandida, da imagem. Assim, da mesma forma que Sergei Eisenstein trabalhava uma montagem ideogrâmica - combinando duas imagens aparentemente opostas para gerar um terceiro significado - Van Sant imprime a mesma premissa a sonoplastia, inferindo uma ambiência sonora extra mise-en-scène, que extrapola e complementa algum significado em cena.
https://www.youtube.com/watch?v=XMMdIIBEkFg - Repare nos sinos na sequencia de abertura de “Últimos Dias”.
O maior emprego desta sonoplastia iconogrâmica ocorre em “Últimos Dias”; são vários os momentos quais a sonoplastia toma um lugar equivalente a imagem, em prol de extrapolar os significados. Por todo o filme escutamos centenas de barulhos de portas abrindo e fechando-se - uma exímia referência a citação de William Blake: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. Seguimos o protagonista - que não por acaso se chama Blake - a medida que escancara todas as portas da sua percepção e adentra, cada vez mais, em níveis mais profundos.
Outra grande utilização da sonoplastia por Van Sant, é na busca de situar o personagem, novamente, fora da cena, como em "Paranoid Park". Durante a primeira relação sexual do protagonista, não se escuta os sons internos do quarto mas os ruídos e as conversas dos adolescentes fora da casa. Van Sant inferi uma sexualidade confusa e opta por enfatizar a conexão com o externo nas relações sexuais da juventude. O sexo é algo feito pelas aparências, uma forma de se encaixar em um contexto social.
http://www.anyclip.com/movies/paranoid-park/impassive-sex/ Exemplo de sonoplastia em "Paranoid Park", referido acima.
6.0 - Direção de Cena e Construção de Personagens
Gus Van Sant, principalmente nos três filmes em que estamos analisando, faz uso de um exercício de familiarização diretor-ator-personagem, denominado de aproximação tripla. Semelhante ao que acontece no neo-realismo, o diretor opta, quase que integralmente, por amadores ou não-atores no elenco de seus filmes; este o faz em busca de uma naturalidade máxima e um caráter de verossimilhança nas interpretações. Essa estratégia presa por imprimir à audiência a sensação de que a juventude representada por Van Sant é mais real e próxima do que aparenta.
Ainda no âmbito da tripla aproximação, o diretor fornece liberdade criativa aos atores de compor suas cenas em conjunto, e ate opta, com notável frequência, pelo uso do improviso. Em "Últimos Dias", o improviso em busca da originalidade é predominante: quase todo o filme é composto por cenas e diálogos completamente improvisados, assim como as musicas tocadas, que foram improvisadas na hora.
O crítico Luis Carlos Oliveira Jr, definindo a forma de trabalhar o elenco de Van Sant, escreveu: "(...) É um aproximação tripla: o diretor com o ator, o ator com o personagem, o diretor com o personagem. Nos seus filmes, Van Sant quer se tornar o personagem." (cf.entrevista na Cahiers du Cinema n576)
7.0 - Diagnóstico: A tromba, a cauda e a câmera translúcida.
Quando perguntado sobre o porquê do titulo "Elefante", Van Sant revelou que este remete ao pequeno enigma oriental dos três cegos. Segundo o conto, três cegos tocaram três partes distintas de um elefante. Um tocou a cauda, outro a tromba, outro o dorso. Com uma compreensão limitada do animal, nenhum deles pode definir com sucesso a integridade magnífica do elefante; somente com a reunião de cada relato é que se pode ter uma visão integra e realista do misterioso paquiderme. (Um momento para insights).
Talvez possamos definir parte do cinema de Gus Van Sant, em seu propósito, por essa anedota. Ao fim deste estudo um tanto entusiástico e exaustivo, deve-se resguardar as poéticas maiores que confere Van Sant: a câmera que renuncia à artificialidade de um cinema prévio e de um mundo sintético em demasia - nas palavras do diretor: "Meus filmes são exercícios poéticos. Nunca quis criar situações de cinema, mas momentos quaisquer".
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