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Entrevista com o jornalista José Geraldo Couto

 
Foto por: Rafael Calixto
  No mês de agosto o jornalista, crítico de cinema e tradutor José Geraldo Couto, esteve presente na PUC Minas para a aula inaugural dos seminários de Comunicação Social. O tema central da discussão foi: crítica da produção audiovisual. O jornalista falou sobre o papel do crítico, o crítico ideal e como anda o cenário da crítica atualmente.
  Após a palestra, o CEIS entrou em contato com José Geraldo Couto, que concedeu uma pequena entrevista. Ele abordou temas como a elitização do público de cinema, o seu trabalho como tradutor, além de avaliar a situação atual do cinema brasileiro:


1. Em seus relatos no livro " Os filmes da minha vida", você fala com nostalgia dos momentos de entretenimento em que ia ao cinema em Jaú, cidade na qual passou parte de sua vida. O que faz mais falta? O ator e diretor Selton Melo certa vez afirmou que o processamento da experiência cinematográfica, após o ritual da sala escura, era quebrado e prejudicado pelo ambiente 'shopping'. Quais as mudanças mais decisivas no seu ponto de vista? A perda do coletivo?

R: A mudança fundamental é que houve uma elitização do público de cinema. Este deixou de ser uma diversão eminentemente popular e passou a ser um programa basicamente de classe média. O desejo de ficção e entretenimento das camadas mais populares passou a ser satisfeito majoritariamente pelas telenovelas e outras formas de narrativa televisiva. Concordo plenamente com o comentário do Selton Melo.


2. Você diz não entender porque certos filmes nos causam impactos, como foi o caso do Lawrence da Arábia, que você assistiu ainda jovem. Qual foi a última mágica, o último grande impacto?

R: O que eu tentei dizer é que muitas vezes não compreendemos plenamente a razão ou a intensidade do impacto de um filme sobre nós. Claro que há causas objetivas (tal tema nos comove, admiramos o ator X e a forma de narrar do diretor Y, temos uma relação afetiva com este ou aquele cenário etc.), mas muitas vezes uma obra nos toca em pontos que nos são inconscientes ou obscuros. É difícil dizer qual foi o último caso desse tipo. À medida que a gente amadurece e se conhece melhor, as surpresas inexplicáveis ficam mais difíceis. Isto é, geralmente entendemos por que tal ou qual filme nos emocionou ou nos deixou indiferentes. Gosto, por exemplo, dos filmes de David Lynch e David Cronenberg, que ainda me deixam perplexo e me levam a territórios desconhecidos de percepção e pensamento.


3. Além de atuar como crítico e jornalista, você também faz traduções do inglês e espanhol. As atividades dialogam? Você deve sofrer ainda mais do que nós com as legendas dos filmes - alguma perspectiva de aprimoramento? E para as traduções dos títulos dos filmes?!! O cineasta David Lynch, quando esteve em BH, se queixou das "versões livres" Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive) e Império dos Sonhos (Inland Empire): "Para que tanto sonho?!", disse ele irritado - "That's not my work!!". Parece que Woody Allen chegou a se queixar também. Com o avanço das dublagens, agora quase hegemônicas, perdemos ainda mais?

R: As atividades de crítico e tradutor dialogam de um modo muito geral e indireto. Em ambos os casos trata-se de tentar traduzir uma obra para torná-la acessível a um público mais amplo. O tradutor verte um texto de um idioma a outro. O crítico, de certo modo, traduz num outro meio de expressão (o verbal) a sua leitura de uma obra audiovisual. Quanto às legendas, as traduções têm melhorado bastante, mas não acompanho de perto essa questão. As traduções de títulos muitas vezes são, de fato, lamentáveis. A queixa do David Lynch tem total fundamento. No caso, acho eu, os distribuidores
brasileiros tentaram "explicar" seus filmes de modo paternalista ao público, na esperança de diminuir sua estranheza e não afastar espectadores. As dublagens são um problema mais complexo. Em vários países, como a Itália e a França, elas são a regra. São muito bem feitas e muita gente as justifica como uma maneira de garantir a atenção do público às imagens (o que seria prejudicado pela necessidade de ler as legendas). Penso que é uma questão insolúvel: ou se prejudica a atenção à imagem (com as legendas) ou se fere a integridade da obra, alterando as vozes dos atores.


4. Você já traduziu obras de Truman Capote e Martin Scorsese. A escolha do autor e do conteúdo a se traduzir é sua? Como foi traduzir o diretor de Taxi Driver? Você faria um paralelo Scorsese texto x Scorsese cinema?

R: A escolha dos autores e livros a ser traduzidos geralmente é da editora. Claro que, nos casos que você citou, aceitei imediatamente e considerei um privilégio. O texto do Scorsese é o do seu documentário monumental sobre o cinema norte-americano. É, portanto, um texto muito claro e apaixonado, como o próprio cinema dele. É o paralelo que se pode fazer entre o livro e os filmes.


5. O escritor Michael Cunningham recentemente comentou sobre a sorte de Stephen Daldry ter filmado As Horas em 2002. Para Cunningham, dada a atual configuração da indústria cinematográfica, hoje ele dificilmente sairia do papel. Você concorda? Como tradutor de Cunningham, o que acha do filme As Horas?

R: Gosto do filme, mas penso que o mais relevante é a observação do Michael Cunningham sobre as
limitações crescentes do cinema industrial norte-americano. Parece que os produtores estão cada vez menos dispostos a investir em filmes adultos, que respeitem a inteligência do espectador. Menos ainda nos projetos menos convencionais, em termos narrativos, temáticos ou estéticos.


6. Como vê o cenário atual do cinema brasileiro? Alguns destaques neste cenário? 

R: O cinema brasileiro tem sido bastante animador em termos de produção, mas muito preocupante no que se refere à exibição, ou seja, na relação com o público. Um filme excelente como O Som ao Redor mal passou dos cem mil espectadores. Outros filmes muito bons, como os realizados pelos pernambucanos (Claudio Assis, Lírio Ferreira, Hilton Lacerda) e pela turma da Filmes do Caixote, de São Paulo (Marco Dutra, Caetano Gotardo, Juliana Rojas) não chegam a dez mil espectadores. Há um  abismo  entre  a  performance  de  público  desses  filmes  mais  relevantes  (do  ponto  de  vista cinematográfico) e a dos campeões de bilheteria, em geral produções descartáveis e infantilizantes da Globo Filmes. A grande questão hoje é como fazer para que os bons filmes brasileiros encontrem seu público.


7. Com a pulverização da crítica cinematográfica, para onde vai o 'pensar o cinema'? Você recomendaria fontes para esta reflexão?
 
R: Com as exceções de praxe, o pensamento cinematográfico foi praticamente banido das grandes publicações. Para quem quer pensar o cinema, ser provocado por ideias, acompanhar uma discussão mais aprofundada, o que resta são alguns sites e revistas na internet, como a Cinética, a Interlúdio e a Cinequanon, além de alguns blogs de críticos, como o Inácio Araujo. Puxando a brasa para minha sardinha, recomendo também o blog do IMS, onde escrevo semanalmente e onde escreve com regularidade o grande crítico José Carlos Avellar.


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