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Fica 13 - Palestra: "Stanley Kubrick e o olhar"

O professor do curso de Filosofia da PUC Minas, Guaracy Araújo, também esteve presente no último dia (8) do Fica 13 para apresentar sua palestra: "Stanley Kubrick e o olhar". O título representa bem o que a palestra se dispôs a tratar: o fascínio do grande diretor de cinema pelo o olhar humano e o uso deste como instrumento narrativo.
Guaracy Araújo exibiu cenas de obras do diretor para ilustrar a temática proposta, o que gerou o interesse do público, resultando em algumas discussões. Durante a exibição, o professor também fez uma série de comentários para que o trabalho de Kubrick pudesse ser visto de modo mais apurado.
Ao final da discussão, Araújo concluiu suas análises, falando tanto da importância do olhar das personagens na obra de Kubrick, quanto sobre a importância que o diretor emprestava ao olhar do próprio espectador sobre suas obras.
Guaracy Araújo durante a palestra          Foto: Lucas Guerra
Após a palestra Guaracy Araújo concedeu uma rápida entrevista exclusiva ao CEIS:

1.     O estudioso da filosofia e do cinema, geralmente se concentra em analisar o cinema apenas na parte do conteúdo ou isso é uma generalização?
"Olha, houve um momento em que a recepção filosófica do cinema era muito marcada por uma abordagem do conteúdo, mas, aos poucos os filósofos que se dedicaram a pensar o cinema começaram a extrapolar isso. Começaram a se posicionar em relação a especificidade da arte cinematográfica. Eu acho que têm vários marcos disso e um deles é o trabalho de Gilles Deleuze (filósofo francês), que escreveu dois livros sobre cinema. O interessante sobre os livros do Deleuze é que eles não são livros de um olhar filosófico sobre o cinema, o que implicaria que o cinema seria colocado como um objeto. Eles são livros que retratam a abertura de um espaço de comunidade com o cinema, eles abrem um espaço de interação. O que interessa para o Deleuze é uma filosofia criadora e que interage com criações e ele faz isso com o cinema. Não é uma abordagem ou uma interpretação apenas, mas além disso é um encontro. Ele abre muito a possibilidade de ver o cinema fazer desdobramentos, que podem se prolongar na cena conceitual. O trabalho de Deleuze é marcante, porque a partir dele criou-se um novo modo desse encontro acontecer e hoje todos os “caras” que estão falando sobre cinema (que com certeza conhecem seu trabalho) estão pensando justamente sobre esse lugar de proximidade, essa forma de encontrar. Um trabalho recente que tenho estudado e vai muito nessa direção é o de Jacques Rancière (filósofo francês). Esse filósofo fala duas coisas interessantes: ‘não existe um conceito totalizante sobre o cinema; o cinema pode ser várias coisas.’ E entre essas várias coisas há espaços, intervalos, como ele diz. Esses intervalos é o que cabe povoar - Nós temos vários encontros distintos com o cinema e a filosofia é o prolongamento desses encontros, uma possibilidade desses encontros. Eu recomendo os textos do Rancière."

2.Por que você selecionou Kubrick para estudar afundo e por qual motivo escolheu o tema "o olhar"?
"Bom, quanto ao Kubrick, a única coisa que eu posso apresentar é uma contingência, que é o fato de eu ter visto esses filmes e ter ficado muito impressionado. Eu assisti os filmes mais fortes do Kubrick, pela primeira vez, ainda quando era muito jovem, na adolescência. Eu realmente fiquei muito mexido e até hoje me pergunto o porquê. Talvez por causa dessa pergunta que me interessei a estudar e ler a respeito. Na verdade, o meu interesse a respeito da obra de Kubrick veio antes de eu estudar filosofia. Mas sim, há elementos de incorporação filosóficas nas obras dele que são muito marcantes, principalmente nos filmes a partir de "2001: Uma Odisséia no Espaço”. É difícil você entender o “2001” sem um conhecimento básico da obra de Nietzsche (filósofo alemão). O filme é uma referência tão manifesta, que ele (Kubrick) coloca na trilha sonora uma obra sinfônica (“Also sprach Zarathustra” de Richard Strauss) com o mesmo nome da obra de Nietzsche, uma homenagem. Isso é uma indicação muito forte do ponto comum que ele tem com Nietzsche, que é uma reflexão sobre o além do humano. A gente sabe que Kubrick era um leitor voraz e ele lia muito Freud e Nietzsche, mas isso é só um ponto de partida, com certeza há vários outros pontos de contato que poderíamos fazer."
3. Você enxerga alguma influência de Stanley Kubrick no cinema atual?
"A referência do Kubrick é muito difusa. Ele representa um ideal para muitos cineastas, um ideal de controle formal, de domínio do que aparece em cena, que é oposto a um modo valorativo que está muito próximo a Nouvelle Vague. De fato ele já foi muito influente, no entanto, é uma influência ambígua. Ele foi visto e descrito por alguns diretores como um cara um pouco esmagador. O (Martin) Scorsese fala uma vez no prefácio de um livro, que o problema é que realmente o Kubrick é uma referência a todos, mas os filmes dele estão num nível tão alto de elaboração que é um pouco sufocante.”


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