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Novo cinema alagoano

 Por Ana Lupiano


Foto filme Infantaria (2022), de Laís Santos Araújo

 Novo cinema alagoano


Mantendo a tradição cineclubista de expandir o repertório individual cinematográfico – muito incentivada pelo curso de Cinema e Audiovisual - o cineclube Tilt, liderado pelos alunos Fabrício Ferreira, Gabriel Brescia e João Pedro Diniz, promoveu, no dia 19/09/2023, uma sessão com três curtas alagoanos com a curadoria de João Paulo Campos e Leonardo Amorim. O encontro, que contou com a participação on-line de Laís Santos Araújo, diretora do premiado curta-metragem “Infantaria”, teve a participação da disciplina de Cinema Brasileiro do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas que, após a exibição, pode conversar e debater com a diretora questões que tratavam desde o processo criativo do curta, à pré-produção envolvendo crianças, bem como, questões concernentes ao próprio cinema alagoano. 

O escolhido para abrir a sessão foi “Ilhas de Calor”, curta-metragem de 2019 idealizado e dirigido por Ulisses Arthur. Nele, acompanhamos a história de Fabrício, um jovem gay periférico no processo de busca a si mesmo em meio aos desafios de socialização da época escolar. O mérito do curta trespassa sua política: o diretor consegue criar uma ambientação simultaneamente nostálgica e moderna do ambiente de uma sala de aula, e somos, no melhor sentido, bombardeados com momentos de identificação universal da convivência social dessa fase, retratados por atores certeiros pertencentes a essa faixa etária. Nessa perspectiva, pode-se imaginar que a verossimilhança do filme é sua virtude própria, mas a narrativa se expande para além disso. “Ilhas de Calor” transporta seu interlocutor para um mundo familiar, entretanto, revisitado com uma nova camada artística composta por poesia, rap e cenas coreografadas e simbólicas. 

Também de 2019, o curta-metragem “Trincheiras”, dirigido por Paulo Silver, é um conto sobre a imaginação infantil e a possibilidade de uso da imaginação como potência de transformação. Gabriel, um garoto de aproximadamente 10 anos, enxerga em objetos abandonados em um pequeno depósito de lixo materiais de construção para uma nave espacial. No país da desigualdade, a fantasia é uma arma de sobrevivência. Acompanhamos o trajeto do menino até o filme tomar um rumo diferente quando, de fato, sua nave espacial ganha corpo na forma de animação. Essa escolha de linguagem, é mais do que uma escolha artística, é um gesto político de materializar na realidade fílmica a imaginação do garoto.

Por fim, o público entrou em contato com a criação de Laís Santos Araújo, o primordial “Infantaria”. O diálogo entre os três curtas apresentados encontra-se no tema comum entre eles, no objeto que se aborda: a infância e adolescência de crianças alagoanas. Aqui, a abordagem não se delimita a buscar uma lente feminina do período da infância. É por meio dela que a narrativa se desdobra quando acompanhamos Joana, uma garota de 10 anos, a descobrir e redescobrir um mundo violento para além de sua fábula juvenil. A aproximação de temas delicados por meio da sutileza e inocência do olhar de uma criança e a não-compreensão do que realmente significa habitar em um corpo de mulher (ou de menina?) por esses mesmos olhos trazem uma sensibilidade única para um filme que transforma em drama a dor do amadurecimento.

Na conversa com Laís falou-se sobre o processo de atuação com as crianças, sobre o cinema alagoano, sobre as suas nuances, significados travestidos de comédia e violências fabuladas. 

*****

O curta-metragem “Infantaria” foi novamente debatido no dia 04/10/2023, com a curadora Patrícia Bizzotto, na mostra organizada pelo CEIS da Itinerância do FestCurtasBH. As oportunidades de ver junto com interlocução e ampliação de repertório não cessam. Acompanhe a programação do CEIS e participe conosco. Gostaria de escrever como colaborador do Blog do CEIS? Mande-nos uma mensagem para contatoceis@gmail.com

 

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